I ATO
...E quando se abrem as
cortinas...
Esse é o palco
E aqui eu morro
Morro para renascer
Atuo para esquecer
Atuo para viver
Bem longe de mim...
Essas são as luzes
Que ofuscam a minha vista
Cegam o meu querer para dar
luz à fantasia
Que me fizeram ser
Ah... essa música que
embebeda o meu corpo
Vagueia pelos ouvidos
Distingue ela de mim.
Eis que surge essa noite
A Dama
O Sonho
A Senhora
O Medo
A Vilã
A Morte
A Mocinha
A Compaixão
A Prostituta
A Mulher
O Homem
O Tango
A ilusão
Será hoje uma grande
história de amor?
Onde entrego a minha alma a
um sentimento que não vivo?
Ou será comédia?
Que faz morrer toda a dor,
só para que até o fim do espetáculo eu suporte sorrindo?
Será tragédia, com lágrimas
e um final lindo?
Esse é o mundo que acolhe minh’alma
Enquanto vou caindo
O mundo que mistura tudo
O que a plateia vai sentindo
Erguendo os olhos, sufocando
e temendo
Entregando esperanças e
sortes ao final do personagem que morre todas as noites!...
Para renascer sorrindo
No espetáculo de amanhã...
Logo após o final decorado
A plateia que vai indo
Leva sempre “o” pouco de mim
Para dissipar na memória a
contento.
E passado alguns dias
Quem outrora sorriu, torceu
e chorou
Já nem consegue lembrar-se
do fim
Por que afinal aquela era uma
falsa história
Por que afinal teatro é
assim efêmero.
Há quem condene
Quem julgue que isso é ruim
Sina, dom e maldição!
Prefiro assim
Que se fechem as cortinas
Sem ter que sentir compaixão
Pois nada sabem de mim.
II ATO
...Uma taça... Um tango...
Essa dor
Sempre essa dor...
Deixa-me sonhar um pouco
E volta
Leva de volta
Esse sonho de mim.
Essa cor
Sempre essa cor...
Mancha os meus puros lençóis de sonhos
E tinge de negro, as pálidas colunas do meu castelo
marfim.
Essa voz
Outra vez essa voz...
Gritando a morte em meu espírito
Sentenciando o fim.
Esse mundo
Sempre esse mundo
Raiz de capim!
Olhares e afagos
Espelhos e abraços
Mentindo para mim!
Mais uma moeda.
Mais uma carta.
Mais um dia.
Mais um jogo.
Mais uma queda.
Mais um olhar.
Alguma poesia.
Mais uma vez o mar
Para vir afogar
As doces mentiras que criei...
E nesse vão de novidades
Nada é tão novo assim
Que eu já não tenha vivido
Nada é tão puro que já não tenha se corrompido
Nada é tão gritante que já não tenha se calado
Nada é tão verdadeiro que já não tenha mentido
Nada tão é santo que já não tenha pecado
E, principalmente,
Nada é assim tão vivo
Que em parte eu não já tenha matado...
O que vão me dar para beber?...
Um cálice que eu já não tenha provado?
Um caminho que eu já não tenha escolhido?
Uma lágrima que eu já não tenha derramado?
Um poema que eu já não tenha sofrido?
Um sonho que eu já não tenha sonhado?
Um único castelo meu que não tenha ruído?
Qualquer promessa que eu não tenha ainda escutado?
Um dos jogos em que eu não tenha perdido?
Será mais uma vez o meu voou roubado?
O meu amor proibido?
Meu vigor enjaulado?
Meu olhar esquecido?
Meu grito abafado?
Será o meu “recomeçar” reprimido?
Então sentem e bebam comigo!...
O meu sangue derramado...
O meu brilho escondido...
O meu querer crucificado...
Digam o que será de mim?
Qual o veneno vão me dar para beber?
Qual o olhar será lançado em minha direção?
Ódio, desprezo, prazer ou compaixão?
Para que adega vai o meu sangue agora?
Com qual adaga e condenação?
Qual será o tango de comemoração?
O que tanto levarão embora... Se já não me resta nada?
Eu não quero ir!
Não agora
Logo agora...
Que pude sonhar um pouco mais
Eu não quero acordar
A dança ainda nem acabou
A magia ainda nem foi quebrada
A realidade ainda nem me tocou
Eu só peço mais um tempo
Um tempo, mais nada!
Eu sei, todos sabem,
Logo tudo acabará...
Mas, enquanto não acaba...
Deixem-me acreditar
Que será assim para sempre!
Por um único dia!
O vinho novo do meu sangue...
Desde já garante:
Não será!
Então deixem!
Deixem eu me enganar!
Destruir!
Envenenar
Escrever
Amar
Atuar.
Dançar, beber e morrer...
Antes de o dia acordar.
III ATO
...Quando acaba o tango e o vinho...
O sonho acabou.
A borboleta retorna do abate.
Regride ao casulo.
Opaca, borrada, cansada, sozinha.
Ferida, quebrada, calada, sozinha.
Outra vez abraçada
Pela dor da própria esperança...
Outra vez...
Carregando o peso das próprias escolhas...
Outra vez...
Ferida pelas próprias mãos...
Outra vez envenenada pelo agradável sabor
Das próprias ilusões.
Outra vez é jogada no chão
Punida por ter ido até o fim...
Outra vez.
O sonho acabou...
Como todos os seus sonhos costumam acabar.
Como poeira
Poeira que o vento faz arder nos olhos
Para provar que até
Os mais doces sonhos...
Podem machucar.
E agora da mesma janela
Que dá para o mar
Resta ver que apenas,
As coisas estão como devem estar:
Erradas.
E sentir no ir e vir de cada onda
Que assim permanecerá
Porque para seres como nós,
Pequena borboleta...
Nunca foi lícito sonhar.
Ou pior...
Para seres como nós,
Jamais passará disso:
Um sonho.
E a certeza de que não importa
Quão longa queira seja a noite...
O dia restará sempre sentenciado a acordar.
Já é dia
O sonho acabou.
A dança acabou.
As luzes agora se apagam...
A plateia se foi.
O teatro ficou vazio
Tanto quanto minha’lma.
O castelo é ruído
O jogo vencido
O sangue bebido
O vinho derramado
E o tango?
(...)
Aplaudido!
Aplaudido fervorosamente
Pela solidão...
Será sempre ela ali sentada
Na primeira cadeira
Da primeira fileira
Solidária ao final repetido.
E se no final não tivesse aplaudido
Ainda seria ela
Sempre ela...
A visionária de mais um sonho perdido!
A solidão.
Jacqueline Lemos
"...Para provar que até
ResponderExcluirOs mais doces sonhos...
Podem machucar."
Pois que seja doce a nossa dor.
Tão Jacqueline essa trilogia... rs