Confidentes

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Uma Atitude Poética ou Um Poema em três Atos


I ATO


...E quando se abrem as cortinas...




Esse é o palco

E aqui eu morro

Morro para renascer

Atuo para esquecer

Atuo para viver

Bem longe de mim...


Essas são as luzes

Que ofuscam a minha vista

Cegam o meu querer para dar luz à fantasia

Que me fizeram ser


Ah... essa música que embebeda o meu corpo

Vagueia pelos ouvidos

Distingue ela de mim.


Eis que surge essa noite

A Dama

O Sonho

A Senhora

O Medo

A Vilã

A Morte

A Mocinha

A Compaixão

A Prostituta

A Mulher

O Homem

O Tango

A ilusão


Será hoje uma grande história de amor?

Onde entrego a minha alma a um sentimento que não vivo?

Ou será comédia?

Que faz morrer toda a dor, só para que até o fim do espetáculo eu suporte sorrindo?

Será tragédia, com lágrimas e um final lindo?

Esse é o mundo que acolhe minh’alma

Enquanto vou caindo

O mundo que mistura tudo

O que a plateia vai sentindo

Erguendo os olhos, sufocando e temendo

Entregando esperanças e sortes ao final do personagem que morre todas as noites!...

Para renascer sorrindo

No espetáculo de amanhã...


Logo após o final decorado

A plateia que vai indo

Leva sempre “o” pouco de mim

Para dissipar na memória a contento.

E passado alguns dias

Quem outrora sorriu, torceu e chorou

Já nem consegue lembrar-se do fim

Por que afinal aquela era uma falsa história

Por que afinal teatro é assim efêmero.


Há quem condene

Quem julgue que isso é ruim

Sina, dom e maldição!

Prefiro assim

Que se fechem as cortinas

Sem ter que sentir compaixão

Pois nada sabem de mim.





II ATO


...Uma taça... Um tango...


Essa dor

Sempre essa dor...

Deixa-me sonhar um pouco

E volta

Leva de volta

Esse sonho de mim.


Essa cor

Sempre essa cor...

Mancha os meus puros lençóis de sonhos

E tinge de negro, as pálidas colunas do meu castelo marfim.


Essa voz

Outra vez essa voz...

Gritando a morte em meu espírito

Sentenciando o fim.


Esse mundo

Sempre esse mundo

Raiz de capim!


Olhares e afagos

Espelhos e abraços

Mentindo para mim!


Mais uma moeda.

Mais uma carta.

Mais um dia.

Mais um jogo.

Mais uma queda.

Mais um olhar.

Alguma poesia.



Mais uma vez o mar

Para vir afogar

As doces mentiras que criei...


E nesse vão de novidades

Nada é tão novo assim

Que eu já não tenha vivido

Nada é tão puro que já não tenha se corrompido

Nada é tão gritante que já não tenha se calado

Nada é tão verdadeiro que já não tenha mentido

Nada tão é santo que já não tenha pecado

E, principalmente,

Nada é assim tão vivo

Que em parte eu não já tenha matado...


O que vão me dar para beber?...

Um cálice que eu já não tenha provado?

Um caminho que eu já não tenha escolhido?

Uma lágrima que eu já não tenha derramado?

Um poema que eu já não tenha sofrido?

Um sonho que eu já não tenha sonhado?

Um único castelo meu que não tenha ruído?

Qualquer promessa que eu não tenha ainda escutado?

Um dos jogos em que eu não tenha perdido?

Será mais uma vez o meu voou roubado?

O meu amor proibido?

Meu vigor enjaulado?

Meu olhar esquecido?

Meu grito abafado?

Será o meu “recomeçar” reprimido?


Então sentem e bebam comigo!...

O meu sangue derramado...

O meu brilho escondido...

O meu querer crucificado...

Digam o que será de mim?

Qual o veneno vão me dar para beber?

Qual o olhar será lançado em minha direção?

Ódio, desprezo, prazer ou compaixão?

Para que adega vai o meu sangue agora?

Com qual adaga e condenação?

Qual será o tango de comemoração?

O que tanto levarão embora... Se já não me resta nada?


Eu não quero ir!

Não agora

Logo agora...

Que pude sonhar um pouco mais

Eu não quero acordar

A dança ainda nem acabou

A magia ainda nem foi quebrada

A realidade ainda nem me tocou

Eu só peço mais um tempo

Um tempo, mais nada!

Eu sei, todos sabem,

Logo tudo acabará...

Mas, enquanto não acaba...

Deixem-me acreditar

Que será assim para sempre!

Por um único dia!

O vinho novo do meu sangue...

Desde já garante:

Não será!

Então deixem!

Deixem eu me enganar!

Destruir!

Envenenar

Escrever

Amar

Atuar.

Dançar, beber e morrer...

Antes de o dia acordar.


III ATO


...Quando acaba o tango e o vinho...



O sonho acabou.

A borboleta retorna do abate.

Regride ao casulo.

Opaca, borrada, cansada, sozinha.

Ferida, quebrada, calada, sozinha.



Outra vez abraçada

Pela dor da própria esperança...


Outra vez...

Carregando o peso das próprias escolhas...


Outra vez...

Ferida pelas próprias mãos...


Outra vez envenenada pelo agradável sabor

Das próprias ilusões.


Outra vez é jogada no chão

Punida por ter ido até o fim...

Outra vez.


O sonho acabou...

Como todos os seus sonhos costumam acabar.


Como poeira

Poeira que o vento faz arder nos olhos

Para provar que até

Os mais doces sonhos...

Podem machucar.


E agora da mesma janela

Que dá para o mar

Resta ver que apenas,

As coisas estão como devem estar:

Erradas.


E sentir no ir e vir de cada onda

Que assim permanecerá

Porque para seres como nós,

Pequena borboleta...

Nunca foi lícito sonhar.


Ou pior...

Para seres como nós,

Jamais passará disso:

Um sonho.


E a certeza de que não importa

Quão longa queira seja a noite...

O dia restará sempre sentenciado a acordar.


Já é dia

O sonho acabou.

A dança acabou.

As luzes agora se apagam...

A plateia se foi.

O teatro ficou vazio

Tanto quanto minha’lma.


O castelo é ruído

O jogo vencido

O sangue bebido

O vinho derramado

E o tango?

(...)

Aplaudido!

Aplaudido fervorosamente

Pela solidão...

Será sempre ela ali sentada

Na primeira cadeira

Da primeira fileira

Solidária ao final repetido.


E se no final não tivesse aplaudido

Ainda seria ela

Sempre ela...

A visionária de mais um sonho perdido!


A solidão.



Jacqueline Lemos

*** Se você chegou até aqui, gostou mesmo.Comente,eu em muito aprecio a opinião dos que me leem*** 

Um comentário:

  1. "...Para provar que até
    Os mais doces sonhos...
    Podem machucar."
    Pois que seja doce a nossa dor.

    Tão Jacqueline essa trilogia... rs

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