Confidentes

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Ela e Eu



Hoje é o primeiro dia do resto da minha vida. É o dia da proclamação da minha liberdade e vou manter os pés descalços para sentir a areia molhada ao tocar o chão. Hoje terei flutuado também até a hora em que se fechem as cortinas. Hoje quero o fogo tocando o meu rosto se eu for falar do inferno e quero, eu sentirei, eu sinto (!) o pranto derramado em cena jorrar antes no meu coração!  Com a sinceridade de quem escreveu o que eu digo, com a necessidade que tem minha personagem e eu de se fazer ouvir... Urgente, sagrada! Eis a minha prece. Meu compromisso... Minha aflição! A escolha que fiz.
      Dois anos passaram-se enfim! Entre renuncias e percalços, títulos vieram, bem como o preço de tê-los trazido de algum lugar e isso nem sempre parecer algo realmente importante por aqui. Pergunto-me, às vezes, se isso realmente era importante e para quem. E onde eu fico agora e como fica tudo depois, por um instante é como se. O que vem depois disso? O que era pra ser que não foi? Terá passado sem que eu percebesse? Que angustia é essa agora?
     O preço. Dois anos, e, de lá pra cá, muitos vieram para me ver e muitos não vieram também. Por vezes, uma ausência em especial doeu até a décima das primeiras apresentações... Leva-se um tempo para acostumar, eu creio, ou não se acostuma simplesmente e, embora admita que ainda me causa algum incomodo ou tristeza não ver aqui um ou outro dos rostos que fariam diferença encontrar na multidão dos espetáculos, (as vezes nem tão lotado assim) Já não é algo com o qual eu não possa lidar. Sinto-me mais forte hoje.
     O tempo me tem mostrado que não devo amar menos quem não veio por isso ou pela minha espera, mesmo por que a espera é uma escolha que eu faço. mostrou também que são para esses, os que dignam a vir que devo insistir com algo, com o que quer que seja!

     Esses estão querendo ouvir algo, tanto quanto necessito eu aliviar meu coração ensaiado... Esses estão de olhos bem abertos e os vejo brilhar cheios duvidas, e num dia de sorte, encantos, em minha direção – que me perdoe nosso competente iluminador... Estas sim são as luzes mais lindas da noite! E é isso que faz toda a diferença! Mais que o refletor que desnuda a maquiagem por horas preparada, são estes olhos, atentos, tocando os meus olhos que desnudam a minha alma, que alcançam as sobras vazadas do eu coração cheio de frestas, que me fazem enxergar também! Dando o sentido real de eu ter querido estar aqui.
     É público, mas poderiam ser também meus irmãos, meus cúmplices, alicerces, grandes amores, quem sabe, pois são os que me dão a certeza (e insistimos em precisar de uma) de ter valido a pena quaisquer horas gastas pra poder subir no palco e... foram tantas!
     Mas intrigante e desafiador no começo disso tudo foi ter de lidar com o fato de que os que vieram, não vinham por mim, ou por minha causa. Não eram minhas as questões que suscitei... Aquelas não eram as minhas verdades ou mentirasm embora fossem também.  Não eram, mas poderiam ser e  são. (confesso que isso é mais simples para quem sente) De algum modo, mesmo não sendo eu, não sendo as minhas aflições e temores, mas os dela são por cinqüenta minutos, um pouco mais... um pouco menos... (por que “depende do ritmo”, “por que a pausa”, “a curva”, “o corpo” e sabe-se lá o que mais vão academizar...) são o que eu posso deixar explodir sem culpa ou sentindo-me culpada e isso não ser um problema.
     Em cinqüenta minutos ELA é tudo que eu tenho, é de quem eu preciso! é quem eu posso SER e QUERO. Asseguro, por cinquenta minutos amo DESESPERADAMENTE esta mulher!
     E aqueles olhos... Ah! sagrados olhos públicos que me lêem, Lêem sim, no corpo que levo ao palco, está escrita também uma história – a minha -  estando ali já não estarei sozinha não importa o que aconteça e alguém vai ler isso ainda que vá embora logo depois e mesmo que eu por ventura nunca os conheça, nunca brinde ou comemore quaisquer dos meus aniversários,  para mim os que vieram são as pessoas mais importantes da minha vida. Da vida que assumi, das lagrimas que escorreram por dentro e por fora. As testemunhas sagradas de minha intensa e efêmera historia de amor com Ela...
     Hoje é um dia especial por razão nenhuma a não ser a que tem me movido firmemente até o ponto de chegada, este almejado com ansiedade e sofreguidão.  Sim por que fomos criados para contar com isso... Lido desde a infância, com a idéia de que a felicidade está em algum lugar e é para lá que devemos seguir (talvez por isso a escola, a igreja, a faculdade... a especialização na órbita parcial do olho direito) desde sempre temos de lidar com a idéia de que há um caminho, um caminho longo e ardil... Difícil mesmo! (Outro paradoxo inexplicável para mim, e esse ninguém faz muita questão de explicar)  Sinceramente, sempre me causou reboliço a idéia de que a felicidade esteja sempre longe de nós e nunca onde estamos e que o caminho para alcançá-la deva ser exatamente o oposto dela. Não é de ficar na dúvida às vezes? Na maioria delas.
     Por isso mesmo concordar com  Ela. Defendê-la sempre, acima de tudo! É só por compreendê-la que me empresto. Por que no fundo, a gente só dá para o mundo o que dele espera e só pode cobrar até onde deu. Por que quando Ela, a minha personagem, que não é minha é de Arrabal, mas que é minha também, firme naquilo em que acredita, ou não, pergunta se "essa tal de felicidade existe(?)"  É  a minha alma que esmurece, quem está perguntando isso sou eu há mais ou menos vinte anos!
     Creio que uma pergunta dessas, aliás, vem de quem caminhou bastante, caminhou a ponto de cansar-se e tudo bem que ela não seja a criatura mais correta do seu meio, assim seu criador a concebeu, mas quem seria eu para condená-la se, não raro, tenho concordado com ela, quero dizer, comigo... Mesmo por que, eu também seguramente não sou a criatura mais correta do meu meio e tê-la partilhando disso me conforta.
     Mas como eu ia dizendo, O dia de hoje! As horas que passam... Essa duvida inevitável, essa espera cada vez mais breve, instantes apenas agora até reencontrá-la! O estomago em borboletas, a idéia de estar com Ela outra vez... As sagradas testemunhas! Eles também. Público sagrado! Esse amor querrendo romper a barragem e derramar-se para todos os lados.

     E eu? O que teria eu esta noite a dizer?

     E ele? O que dirá meu fiel companheiro na cena e na vida esta noite? Por sinal, esses olhos firmes no espelho, nos instantes que antecedem o nosso sagrado momento, tão densos também... É isso, há também nele tantas questões, nada que se possa falar ou precise. Olhos de quem está percorrendo o mesmo caminho em busca da mesma verdade  da forma também que o ensinaram. Olhos de quem acredita tanto! Ternos e ligeiramente ansiosos... Cenas que só o camarim revela. E daí penso: Eu sei da tua ansia, sei dessa espera e sei que isso também é amor. Com sei de nós e do que significará subir ao palco ao seu lado outra vez... Como também não esqueço um só dia de como e porquê  tudo isso começou. Por que afinal, o sagrado templo dos cénarios consagrou também a nossa história. É valioso olhar nos teus olhos e ver dentro deles tudo que já caminhamos, sentir as tuas mãos repousando nas minhas afim de conter ou compartilhar esta cálida aflição.  Saiba que para mim também é uma honra querido! Há de ser para sempre.
     Cinco minutos, alguém anuncia. Cumprem-se então os últimos rituais e no espelho já não sou eu, mas ELA. Sussurrando ouso galantear sua beleza e de alguma forma a sinto agradecer também... É como se. É quase um “vamos”. É ela, mas poderia ser eu e é! De alguma forma,  do modo que importa. É só o que importa pelos próximos cinqüenta minutos: ELA! Minha amada e para sempre minha... Ela.
     Daqui até lá os passos serão dados com muito cuidado, com zelo mesmo, com o que eu puder! Teatro será sempre um ritual para mim, por que a coxia faz meu corpo todo estremecer de um jeito que. Bem eu não conheço qualquer outra coisa na vida que me traga esse nível de prazer num fôlego tão curto. É um instante só, é como. Avante!
     Estes são, ou quero eu crer nisso, os passos para o caminho que leva à minha felicidade, é o teatro sim esta linda mentira de ser... A minha grande verdade! É aqui que minha alma repousa enfim... É tudo.  Agora.  É um risco estou ciente, mesmo que doa quem doa  também cai pra chegar lá, é verdade. É o preço e a graça por sermos quem somos.

     Obs.: Só mais um detalhe, para os que se acostumaram com o sofrimento e fizeram dele desculpa para esta felicidade que nunca chega e que não admitem ter jogado ela longe demais de seus braços, lamento informar que foi pelo teatro e só com que me dispus a  chegar lá. Por fim, pasmem, no palco não há sofrimento, sou feliz a cada passo e até mesmo quando caio... Para todo o resto... Amém! 




Jacqueline Lemos.


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E pra quem quiser conferi-la: 


Lilbe em Oração