O CÁLICE DA
COMEMORAÇÃO
Não bata.
Eu não estou.
Não, eu não vou te atender...
Ouço ruídos? Chaves de fenda?
Uma fresta fora aberta em minha janela?
Você vai mesmo insistir?
*
Mas essa musica toca tão alto
Gritos tão excitados dentro de mim!
O bom vinho dança na
côncava taça que tenho nas mãos...
Como outrora dançava tua face desconfigurada entre minhas coxas
Enquanto eu, enojada, admirava a sua vulnerabilidade
Tão factual. Tão minha...
Em pensar que ali eu poderia ter-te enforcado e... Não o
fiz.
*
Duas ou três garrafas e, eu sei...
Esta noite me guarda ainda algum prazer,
Então, não vai cansar de bater?
Não vê que está cansando toda a poesia?
Se eu tenho medo?
Foi-se o dia!
O meu socorro chegou...
O meu destino sou eu.
Dei-te a chance de um adeus...
E você, esta noite, deu-me a chance de alguma alegria.
Ah! Eu sempre soube que este dia chegaria...
Esta será a melhor noite que já tivemos.
Mas não bata.
Esta porta não se abrirá.
Do lado de cá, sou eu quem decido as regras do jogo.
*
Não, por favor, não ligue mais
Isso não o tem desgastado?
Se já disse e repeti
Que o laço em que me fizeste refém se desfez
Não te soa patético persistir?
Existem formas mais dignas de perder, eu já disse.
*
O que esperava conseguir aqui?
Começo a sentir pena de você
E isso me irrita todos os poros
Você deveria saber!
Uma taça se lança contra a parede
No ar ela dança essa nova canção...
Um ruído estridente...
Seriam gritos?
Estilhaços no chão.
O vermelho que escorre denso... como um corpo que se deita
e...
“voilà” ! Que belíssima decoração...
Passado o encanto me atenho outra vez a esta cena
deprimente...
Você a rastejar no meu portão.
Já disse, desligue-se e desista de me ligar
A mim pouco importa se...
Hoje é seu aniversário?
Mas me diga, o que de verdade você esperava conseguir de mim...
Uma cesta de bombons, um abraço, um cartão?
Sinto muito se soar egoísta, mas, esta noite é minha!
Brindemos minha alforria e não meu perdão...
*
Mas por favor, sem bater, eu já disse!
Aqui você não entra nunca mais.
A partir de hoje, eu me pertenço
Eu me basto.
De um modo que você nunca poderia alcançar ou entender...
*
Parabéns para você...
A musica não te deixa
ouvir?
Você poderia parar de gritar um instante?!
Isso até parece dor...
Esta frio ai? Você treme...
Quer mesmo me convencer de que isto é amor?
Logo eu, que quase morri por três vezes
Sem que pudesse te esperar?
Eu que o vi, tão contente, tecer corroas para o meu
funeral...
Onde está toda essa alegria agora?
Dói saber que você perdeu?
Dói se eu cantar?
Então dói saber que nada está igual?
O fato é que eu, querido, embora todos duvidassem,
Sobrevivi a você!
Tornei-me melhor que esse seu desespero,
Seu rosto contorcido... Enrijecido cada vez mais
E sim, eu entendo querido o quanto isso deve doer em você...
Aliás, sempre fui tão compreensiva com você, não?
Mas essas batidas na porta! Que droga!
Você quer mesmo me tirar do sério?
Eu sobrevivi!
Já você...
Saia da minha porta antes que...
Ah, não!... O meu fino carpete!
Este seu sangue podre.
Veja só você rastejando como um verme
No meu chão.
Chegaria o dia, eu sempre soube...
Vamos, seja breve!
Precisarei limpar tudo isso antes da próxima sessão...
O que você disse?
Não vai adiantar,eu já disse...
Com todo este som ninguém te ouvirá.
Alias, ouça aqui você!
Lembra-se dessa musica?
É aquela que nunca dançamos...
Você nunca podia.
A canção que você nunca mais vai dançar...
Isso não te dói?
Ah, isso dói! Por isso mesmo escolhi assim o nosso adeus.
Ou melhor, o seu...
Oh! Deus... já estou bêbada?
*
Piedade, piedade! Você grita esbaforido, abafado
Enquanto eu me dou ao vislumbre de observar
Seus lábios rachados... Mudos, desesperados!
Piedade! Você implora entre espasmos...
Balbuciando letras...
Afogando-se no próprio fado
Cuspindo sangue e vomitando
o passado
Que um dia me tomou.
Piedade?
Não adianta, eu já disse...
Mas grite mais alto!
Chega a ser romântico ver-te assim
Clamando pela a chave da porta que ninguém vai abrir...
A chave que se foi dissolvida num cálice de acido sulfúrico
Este cálice que brindei com você...
Esta taça... os seus estilhaços!
São gritos? Contrações? Fogos de artifício?
Veja, é noite de Ano Novo!
Seus olhos sempre tão frios...
Hoje ainda mais frios, perdidos e agora calados...
*
Ah! Seus olhos fixos nos desenhos de gesso do meu quarto
E eu que pensei que você nunca os havia reparado...
Parece analisá-los agora assim,
tão profundamente!
Tão empenhado...
Tão... Morto.
Um brinde!
*
*******************************
O Espinho da Rosa
Acreditei
Com todas as minhas forças
E bem sei que esta não sendo a
primeira vez
Também a última não será
Que as mais tolas crenças tentarão
me matar.
Por isso mesmo o limiar da vida;
Por que é o
medo da morte que me fortalece.
E de força, me diga, quem não
precisa?
Mesmo uma rosa há de ter
espinhos, meu caro...
Tente aceitar e seguir em frente
Isso não é nada perto do que eu
já derramei.
Quanto ao perfume da rosa
Que um dia inebriou os teus
pulmões;
Contestou os teus porquês...
É resquício e não essência
Logo, não durará.
Há de haver outras fragrâncias
Enquanto que essa o tempo...
O sábio tempo há de vir te
roubar.
Por que no mais, Foi o silêncio
quem nos devastou.
Não o perfume barato, o batom no
colarinho...
Hora querido, pelo quê me tomas?
Meu bem, meu bem...
Choras por quê?
Na rua há de haver fragrâncias
tantas!
Tantos rebolados, sorrisos entregues;
Cabelos reluzentes, peles tão
novas;
É mesmo tão macio o beijo de
mulher!
E são tantas, não é mesmo?...
Não seria eu a condená-lo.
Logo eu que tão pessoalmente o
sei.
Por isso não tarde!
Não por um perfume antigo, não
por isso.
No que depender de mim...
O mundo é todo seu meu bem.
Ah, querido... Para que tanta
sutileza tardia?
O vi tantas vezes devastar este
mesmo caminho
E por ele mesmo tornar
desorientado
Que agora...
Jaz finada a revelia em meu coração.
Amor que é amor liberta e eu meu
caro
Depois de tanto, mereço a
liberdade também.
Vá embora!
Se pouco quis se importar quando
podia,
Se já não somos capazes de rir
disso tudo...
Se Vê-se que já não te é
necessário amparo algum,
Não permita que o maldito perfume
Dos nossos áureos anos permaneça
em você!
Como veneno que corre nas
veias...
Como liga que não te deixa
escapar.
Como um ferido amor antigo que
não desfalece.
Tanto bem para quê, afinal?
Afagar o ego?
Resvalar na irremediável solidão
da mais doída forma?
Condenar a alma à perda?
Fores no chão... Tantas, tantas,
por um adeus?
Dessa vez não.
Por deus não permita!
Para que nas noites frias, de
abraços desconhecidos e alternados;
De cores e corpos que você
conhece a tão pouco tempo...
Eu não tenha que invadir você...
Seus sonhos, suas insônias...Seus
pulmões sim!
Seus indignos porquês!
Por que se eu for gritar nos seus
ouvidos
Ai meu bem, eu duvido
Que torne a esquecer do que era
vivo e morreu.
Do jogo de cartas marcadas, tão
seu.
Saia agora sem olhar pra trás
Sem pedir pra voltar...
Você e as jogadas previamente
ensaiadas para perder...
Não se implora para ressuscitar
Aquilo que um dia pediu para
morrer.
Jacqueline Lemos
Jacqueline Lemos
*** Se você chegou até aqui, gostou mesmo.Comente,eu em muito aprecio a opinião dos que me leem***