A última das
três batidas. O instante que antecede o abrir das cortinas e, se não há
cortinas, o passo que me levará aos olhos ávidos do público... A suspensão. Já
não há nada antes ou depois. Não houve. Já não faz diferença se existiu, se
deixará de ser, se morrerá. Apenas É. É e não há nada que transcenda o ser.
O imediato é
verdadeiro. O fato, imutável. É o certo, pois se do futuro podemos supor e se do
passado nos resta o lamento, do agora não há nada além do agora. Irremediável.
Urgente. Exato.
O agora é o
que nos faz humanos, menos imagináveis. O agora é como um espelho do qual não
se pode esquivar. Ele é o que somos e não o que gostaríamos de ser ou fomos; é
o que é, agrade ou não, e fora os devaneios humanos, é o que nos resta... O que
deve bastar. É como morrer...
Penso que
quando se sabe da morte, quando o corpo anuncia e espera, o que quer que se
pense nesse instante... Terá sido o que de mais verdadeiro viveu o moribundo.
Terá sido tudo. Por que é. É e só.
Quando se
está para morrer não há mentiras. Não há volta. Não há receios, a não ser o da
própria morte e isso fará da vida o bem maior. Ela é tudo agora.
Como somos
humanos, o tempo é o que há de mais precioso quando dele já não nos resta mais
nada... Penso que neste exato momento, como
é no palco o momento da primeira fala
– que para mim se assemelha a sensação de tirar proveito do último suspiro, e,
por isso, deve ser Inteira, talvez por isso também a mais desajeitada, já que tão
carregada de ‘sobre-humano’ anseio, a
vida seja a mais sublime certeza que se tenha... Justamente por que se, se vai
morrer, Se tamanha obviedade vem à tona, pensar no que se viveu ou no que se poderia
viver já não faz diferença. Já não é. Já não resolve nada. Como, aliás, nunca
tivera resolvido até então.
Penso que nesse momento... Penso que é esse o momento! O fatídico pouco
tempo em que vamos então nos dar conta de que, afinal, nunca tínhamos tempo
para perceber estas coisas e no mais, se, se vai morrer o que temos? Se não a
vida?... Como fica a lista de prioridades nessa hora?
No fim, quem
há de bater é a vida que não havia sido até um segundo que antecedeu essa
descoberta. A vida é o que se espelha no
agora. É ela então, o que sempre fora, o
que nós mesmos não fomos já que sempre nos havíamos posto longe de onde
realmente estávamos – do presente. Este é o momento efêmero em que tudo se
consagra...
Se no instante
em que o corpo finda, ele também se estende,
transcende, compreende a própria existência então... Ele renasce! E segurar-se a este fio de vida com tudo que
tem é finalmente ter tudo, agora!
O corpo se
ouriça, estremece e, pasmem, já não há empecilhos que impeçam quem vai morrer de perceber isso, já não faz diferença se os
outros reparam, Já não difere, quando se está ali, se vão ou não aplaudir, o
que importa é estar ali e se isso vai ou
não ser lembrado... Importa apenas que quem vai
morrer ou dar vida a outrem não terá esquecido! Sequer terá tempo para isso
e por isso e só por isso, seu tempo será, quem sabe pela primeira vez o mais
utilmente aproveitado.
No fim quem vai morrer vai morrer... mas antes
disso está vivo. O peito bate. A respiração fala. Uma sintonia toca... o agora
tem a chance de gritar sua alforriada
liberdade! O pulmão se alivia... é chegada a hora da última cena.
A vida é isso, então? Ela é. Eu sou. Eu posso
sentir. Posso ser o agora, Enfim! Eu posso e ninguém poderá me arrancar esse
ultimo suspiro que é como... O primeiro. é meu. É pleno. É belo. É vivo.
A cortina
fecha, quando há cortina e Eu estou aqui e poderia morrer neste INSTANTE! É só
o que sinto. Isso me basta como qualquer outra coisa jamais bastaria, já não
sou humana, já não sinto medo. Já não há público, mas um espelho imenso e no
momento em que a minha alma se reconhece nele. Há eis o meu momento.
Eu poderia morrer
nesse instante, simplesmente por que foi nele que a vida me tomou por completo.
É quando morro que renasço, Enfim! É preciso morrer para eu no palco se possa
falar por outro. É preciso permanecer vivo para que as coisas não percam o
rumo. É preciso ser e não ser. É do que eu preciso.
E por fim, é
quando desço do palco e só quando desço do palco, que compreendo o porquê de
ter vivido até ali é quando sei e sinto que tudo mais que necessito é apenas
voltar para ali amanhã.
Jacqueline Lemos.
Fotos do Espetáculo "L'attesa dei Pagliacci" da Cia SP2, direção de Pablo Fabriccio.
"...O que me encanta nesse espetáculo, diria mesmo o que me conquistou no L'ATESSA e penso que a todos que fazem parte, é essa magia escondida em sua linguagem... a mascara da alegria elegida por ele para tratar das dores dos seres... reluzindo na atriz que sou a criança que fui. É como se fosse leve esse peso desalmado... é como se forem flores e são fardos, podia ser a vida e é palco, esse nosso picadeiro grande... sim por que ATÉ SOFRER TEM SEU CHARME".
*** Se você chegou até aqui, gostou mesmo.Comente,eu em muito aprecio a opinião dos que me leem***
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